O Nordeste foi ao seu tempo um importante centro de atividades políticas e culturais e um palco de agitações e conjuras em prol da independência do Brasil
(...) Seu nome completo Frei Joaquim do Amor Divino Rebelo Caneca. Foi ele um dos três grandes jornalistas políticos da época da luta pela emancipação política do país. Os outros dois são Hipólito José da Costa e Cipriano Barata.
A data de nascimento do Frei Caneca é objeto de controvérsias. Seu biógrafo João Alfredo de Souza Montenegro simplesmente confessa sua ignorância: segundo ele, não sabemos quando nasceu Frei Caneca. José Castellani propõe a data de 1779. Já Wilson Martins, o autor da História da Inteligência Brasileira, propõe 1780. Frei Caneca nasceu no Recife, bairro de Fora das Portas, freguesia de S. Frei Pedro Gonçalves. Foram seus pais Domingos da Silva Ravelo (ou Rabelo ou Rebelo) e Francisca Maria Alexandrina de Siqueira. O apelido Caneca, de iniciativa do próprio frade, é uma homenagem à profissão de tanoeiro, exercida por seu genitor.
O clero dessa época era aberto ao Iluminismo e às idéias revolucionárias francesas.
Os antepassados portugueses do frade pertenciam à família Dantas, ainda hoje importante família nordestina. Contava elo que sua família tinha muitos padres, dentre os quais Frei Antônio da Natividade, Dantas, carmelita português natural da cidade de Elvas. Orgulhava-se também de ter sangue indígena e talvez africano, como confessa num texto auto-biográfico que reproduzimos a seguir, trecho de um panfleto político que, como muitos outros textos do Frade, apresenta um título muito engraçado: "O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o Rei dos Ratos José Fernandes Gama": "Não posso subir mais acima com esta exposição, porquanto as perturbações, guerras e massacres d'aqueles tempos infelizes, destruíram os monumentos de outras cousas de conseqüência, quanto mais as notícias de uma família que, não descendendo dos Machucas, dos Queixadas, dos Caiporas, não tinha o seu pedaço de couro de anta com os nomes escritos de seus maiores. Piratibás, Pagés, Carnipecabás. Mas é ponto de fé Pia que essa Maria das Estrellas (sua primeira ascendente brasileira) havia de ser alguma Tapuia, Potiguari, Tupinambá, senhora de muito mingáo, tipoias, aipí e macacheira; e também si foi alguma Rainha Ginga, nenhum mal me faz; já está à porta do tempo de muito nos honrarmos do sangue africano".
Tomou ele o hábito de carmelita a 8 de outubro de 1796, no convento de N.S. do Carmo, no Recife. Fez sua profissão solene no ano seguinte. Desde cedo revelou pendor pelos estudos. Por iniciativa do convento adquiriu patente de leitor em Retórica e Geometria em 1803. Publicou duas obras didáticas: uma Gramática e um Tratado de Eloqüência.
Muitos hoje podem estranhar esse tipo de formação de um eclesiástico, privilegiando as Ciências e não Teologia. Isso, porém, era muito comum naquela época - fins do século XVIII e inícios do século XIX em que muitos elementos da sociedade luso-brasileira ingressavam no clero simplesmente por ser a única possibilidade de estudar. O clero dessa época, aberto às influências do Iluminismo, foi um grande difusor das idéias democráticas e revolucionárias de origem francesa e muito: de seus elementos participaram ativamente das agitações e conjuras. Numerosos eram os eclesiásticos que se filiavam à Maçonaria. Costumamos denominar esses clérigos de iluministas ou ilustrados, ou ainda de pombalinos, por causa das reforma na Igreja lusa feitas pelo ministro esclarecido Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que a tradição maçônica diz te sido nosso Irmão.
O Nordeste da época de Frei Caneca foi um importante centro de atividades políticas e culturais, um pólo de difusão do pensamento iluminista e um palco de agitações e conjuras revolucionárias em prol da independência do país.
O Irmão Azeredo Coutinho fundou o Seminário de Olinda, onde fervilhavam idéias liberais.
O famoso Areópago de ltambé foi fundado pelo Padre Arruda Câmara.
Temos, por exemplo, a Conjura Baiana ou Revolução dos Alfaiates, que alguns autores fazem coincidir com a fundação da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz, na cidade da Barra. Nem todos os historiadores maçônicos, porém, aceitam isso. Temos também a atuação do Padre Manuel de Arruda Câmara (1752-1810) que criou em 1796 o famoso Areópago de Itambé, que alguns autores consideram a primeira instituição maçônica brasileira. Não se trata, porém, de uma loja regular, é uma academia literária como a nossa, uma instituição paramaçônica.
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Cumpre também lembrar a atuação do bispo ilustrado Azeredo Coutinho, considerado nosso Irmão por muitos historiadores maçônicos, que em 1798 fundou o famoso Seminário de Olinda, importante centro de difusão dos princípios iluministas na região nordestina.
Frei Caneca exerceu importante liderança nos movimentos revolucionários e democráticos do Nordeste de sua época. Participou ativamente da Revolução Pernambucana de 1817, liderada pelo maçom Domingos José Martins. Após a Independência, as veleidades absolutistas de D. Pedro I fazem Frei Caneca converter-se em adversário político do Imperador. De dezembro de 1823 a agosto de 1824 publica no Recife o jornal Tífis Pernambucano (Tífis, na mitologia grega, é o nome do timoneiro da nau Argo) onde desenvolve propaganda republicana e move implacável campanha contra D. Pedro I, desde a dissolução da Constituinte até a imposição da Constituição Outorgada. Termina por envolver-se com a Confederação do Equador, movimento que procurou criar uma república que uniria várias províncias nordestinas. Com o malogro do movimento, foi preso, julgado e condenado à morte por enforcamento. Diz a tradição que acabou sendo fuzilado, já que os carrascos disponíveis no Recife unanimemente se recusaram a executá-lo. Ainda hoje Frei Caneca continua sendo um dos heróis nacionais mais queridos e lembrados no Recife.
Caneca criticou Roma por perseguir os pedreiros livres depois de beneficiar-se com o trabalho das antigas corporações.
Vejamos as relações de Frei Caneca com a Maçonaria. Não existe nenhum documento provando taxativamente que Frei Caneca pertenceu à Ordem, mas temos provas indiretas, como textos que ele escreveu em defesa da mesma, como uma das Cartas de Pítia a Damão de 1823, em que discorre sobre as Sociedades Secretas de Pernambuco. Nesse texto, defende a Maçonaria contra seus perseguidores, que considera fanáticos obscurantistas, mas combate asperamente o Apostolado, organização paramaçônica criada por D. Pedro I para opor-se à Maçonaria, taxando-o de clube de aristocratas corrompidos e estúpidos. Resume a história e os princípios da Maçonaria, criticando Roma por perseguir os pedreiros livres depois de muito ter se beneficiado com o trabalho das antigas corporações de arquitetos. Considera o Evangelho Cristão a base dos estatutos maçônicos, perfeitamente compatíveis, portanto, com a caridade cristã. Critica asperamente os clérigos beatos que perseguem a Maçonaria, taxando-os de benzedores e exorcistas que vivem às custas da população ignorante e supersticiosa e convida seus leitores a lançar fora os prejuízos da má-educação e a se tomarem racionais e prudentes. Comparando a Maçonaria com a Jardineira, sociedade secreta existente em Pernambuco, diz ele o seguinte: "A Franco-Maçonaria está mais adiantada do que a Jardineira; porque está aqui há mais tempo estabelecida e mais acreditada pela sua antiguidade no Universo, universalidade na Europa, grandes personagens que nela têm figurado, pelos bens que há feito à humanidade, mormente no tempo da revolução francesa e da presente na causa de nossa independência e liberdade política (...) A palavra Franco-Maçonaria significa regra ou sistema dos mistérios e segredos peculiares à sociedade dos franco-maçons. A Franco-Maçonaria é uma antiga e respeitável instituição, que abraça indivíduos de todas as nações, de todas as religiões e de todas as condições'.
Cumpre lembrar também que Frei Caneca traduziu da Enciclopédia Inglesa um artigo sobre a história da Maçonaria.
Os padres engajados eram combatidos pela cúpula de Roma e encontraram guarida na Maçonaria.
Como teria sido o Cristianismo de Frei Caneca? Ele próprio expôs sua visão da religião cristã no Sermão sobre a Oração, pregado na Capela da Ordem Terceira do Carmo do Recife a 14 de fevereiro de 1823: "Para se orar de um modo aceitável a Deus (...) tido é preciso gastar uma manhã, uma tarde, um dia, basta um instante, em que nos prostremos humildemente diante de sua augusta majestade (...) O Divino Mestre estabeleceu o Padre Nosso que é quanto basta. Não há na sociedade cristã uma pessoa, por mais abastada em bens, por mais avançada em anos, por mais desocupada em empregos civis, que deva passar todo o dia e toda a noite entregue somente a meditações, a jaculatórias, a elevações de espírito, a arroubamentos e outras obras de super rogação. O homem nasceu para a sociedade (...) "
Vemos aqui que Frei Caneca dava mais ênfase à religião interior do que às práticas devocionais, valorizava mais a ação do que a contemplação, foi ele um cristão racionalista, iluminista, plenamente engajado na causa liberal democrática e nas lutas revolucionárias de seu tempo em prol da independência e da democracia. ....
FONTE: Prof. Dr. Ricardo Mário Gonçalves / ARLS Educação e Integração Nº 231 - São Paulo - Resumo.
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