O catarismo (do grego ?a?a??? katharós, "puro") foi um movimento cristão de ascetismo extremo na Europa Ocidental entre os anos de 1100 e 1200, estreitamente ligado aos bogomilos da Trácia[1] O movimento foi tão forte no sul da Europa e na Europa Ocidental que a igreja Católica Romana ...
passou a considerá-lo uma séria ameaça à religião ortodoxa. As principais manifestações do catarismo centralizavam-se na cidade de Albi, motivo pelo qual seus adeptos também receberam o nome de "albigenses". O catarismo teve suas raízes no movimento pauliciano na Armênia e no Bogomilismo na Bulgária que teve influências dos seguidores de Paulo. Embora o termo "cátaros" tenha sido usado durante séculos para identificar o movimento, ainda é discutível se o movimento se identificava mesmo com este nome.[4] Em textos cátaros, os termos "homens bons" (Bons Hommes) ou "bons cristãos" são os termos comuns de auto-identificação.[5] A ideia de dois deuses ou princípios, sendo um bom outro mau, foi fundamental para as crenças dos cátaros. O Deus bom era o Deus do Novo Testamento e criador do reino espiritual, em oposição ao Deus mau que muitos cátaros identificavam como Satanás, o criador do mundo físico do Antigo Testamento.
Toda a matéria visível foi criado por Satanás, e portanto foi contaminada com o pecado, isto incluía o corpo humano. Esse conceito é oposto à Igreja Católica monoteísta, cujo princípio fundamental é que há somente um Deus que criou todas as coisas visíveis e invisíveis. Os cátaros também pensavam que as almas humanas eram almas sem sexo de anjos aprisionadas dentro da criação física de Satanás amaldiçoado a ser reencarnado até os fiéis cátaros alcançarem a salvação por meio de um ritual chamado Consolamentum.[6] Desde o início de seu reinado, o papa Inocêncio III tentou usar de diplomacia para acabar com o catarismo, mas no ano de 1208, seu delegado Pierre de Castelnau foi assassinado quando voltava para Roma depois de pregar a fé católica no sul da França. Com a opção de enviar missionários católicos e juristas extintas, o papa Inocêncio III declarou Pierre de Castelnau um mártir e lançou a Cruzada dos Albigenses.
Origens
As crenças dos cátaros não são claras, mas a maioria das teorias concordam que se originaram no Império Bizantino principalmente através da rota de comércio e da propagação da Bulgária para a Holanda e Espanha (Catalunha). O nome búlgaros (Bougres) também foi aplicado aos albigenses, e eles mantiveram associação com o movimento cristão similar do bogomilos ("Amigos de Deus") da Trácia. "Que houve uma transmissão substancial de rituais e ideias do bogomilismo para o catarismo está além de qualquer dúvida razoável." Suas doutrinas têm inúmeras semelhanças com os dos bogomilos e mais cedo os paulicianos, assim como os maniqueístas e os cristãos gnósticos dos primeiros séculos depois de Cristo, embora, muitos estudiosos, principalmente Mark Gregory Pegg, têm apontado que seria errôneo extrapolar as conexões históricas diretas com base nas semelhanças teóricas percebidas pelos estudiosos modernos. São João Damasceno, escreveu no século VIII notas sobre uma seita anteriormente chamada de "Cátaros", em seu livro Sobre Heresias, título tirado do resumo fornecido por Epifânio de Salamis em seu Panarion, e diz: "Eles rejeitam aqueles que se casam pela segunda vez e rejeitam a possibilidade de penitência [isto é, o perdão dos pecados após o batismo]".
É provável que tenhamos apenas uma visão parcial de suas crenças, porque os escritos dos cátaros foram em grande parte destruídos por causa da ameaça doutrinária percebida pelo papado; muito do nosso conhecimento existente dos cátaros é derivado de textos de seus adversários. As conclusões sobre a ideologia dos cátaros continuam a ser ferozmente debatidas com comentaristas regularmente acusando seus adversários de especulação, distorção e preconceito. Existem alguns textos dos próprios cátaros que foram preservados por seus adversários (o Rituel Cathare de Lyon) que dá uma visão do funcionamento interno de sua fé, mas estes ainda deixam muitas perguntas sem resposta. Um grande texto que sobreviveu O Livro dos Dois Princípios (Liber de duobus principiis), elabora os princípios da teologia dualista a partir do ponto de vista de alguns dos albanenses cátaros.
É agora geralmente aceito pela maioria dos estudiosos que o catarismo histórico identificável não surgiu até pelo menos 1143, quando o primeiro relato confirmado de um grupo defendendo crenças similares é relatado ser ativo em Colónia pelo clérigo Eberwin de Steinfeld. Um marco na "história institucional" dos cátaros foi o Conselho de Saint-Félix, realizado em 1167 em Saint-Félix-Lauragais, com a presença de muitas figuras locais e também pelo "papa" do bogomilo, Nicetas, o bispo cátaro da França e um líder dos cátaros de Lombardia.
Crenças
Os cátaros, em geral, formavam um partido anti-sacerdotal em oposição à Igreja Católica, protestando contra o que consideravam ser a corrupção moral, espiritual e política da Igreja. G. K. Chesterton, autor inglês Católico-romano, afirmou: ".. o sistema medieval começou a ser quebrado em pedaços intelectualmente, muito antes de mostrar o menor indício de estar caindo aos pedaços moralmente. As enormes primeiras heresias, como os Albigenses, não tinham a menor desculpa de superioridade moral." Relatos contemporâneos sugerem o contrário, no entanto. São Bernardo de Clairvaux, por exemplo, apesar de sua oposição aos cátaros, disse no Sermão 65 sobre o Cântico dos Cânticos:
Se você questionar a heresia sobre sua fé, nada é mais cristão; se sobre sua conversão diária, nada é mais inocente, e o que ele diz, ele provará por suas ações... No que diz respeito a sua vida e conduta, ele não engana a ninguém, não passa à frente de ninguém, não faz violência a ninguém. Além disso, suas faces são pálidas de jejum, ele não come o pão da preguiça, ele trabalha com suas mãos e, assim, faz sua vida. As mulheres estão deixando seus maridos, os homens estão deixando de lado suas esposas, e todos eles migram para a heresia! Clérigos e padres, o jovem e o adulto, entre eles, estão deixando suas congregações e igrejas, e são encontrados frequentemente na companhia de tecelões de ambos os sexos. Quando o Bispo Fulk, um dos principais líderes das perseguições anti-cátaras, execrou um Cavaleiro de Languedoc por não perseguir os hereges com mais diligência, ele recebeu a resposta: Nós não podemos. Fomos criados no meio deles. Temos parentes entre eles e vemos que levam uma vida de perfeição.
Cátaros: Hereges, graças a Deus
Texto Álvaro Oppermann - Eles queimaram na fogueira porque repudiaram a Igreja, desafiaram o papa e fundaram um catolicismo alternativo em plena Idade Média. O povo de Languedoc, no sul da França, é conhecido por ser do contra e orgulhoso de sua terra. Os habitantes daquela região se gabam de ter as videiras mais antigas do país, plantadas pelos romanos. Também empinam o nariz para o futebol, esporte mais popular entre os franceses. Lá, o que se joga é rúgbi. Essa vocação para a dissidência vem de longe. Seu ápice ocorreu no século 11, quando cidadãos de Languedoc repudiaram a Igreja Católica – por eles chamada de Igreja dos Lobos – e fundaram um cristianismo alternativo: o catarismo.
Os cátaros formaram a sociedade secreta mais “popular” da Idade Média. Alguém falou em heresia? Para esses cristãos, herege era o papa. “Eles se julgavam herdeiros dos apóstolos e foram condenados por isso”, escreve Mark Gregory Pegg em The Corruption of Angels (“A Corrupção dos Anjos”, inédito no Brasil), que narra a trajetória da seita.
BONS HOMENS
A história dos cátaros teve um início obscuro. Em 1022, dois monges que nada tinham a ver com o movimento foram queimados vivos, acusados de adorar o Diabo. O bispo do condado de Toulouse, o maior da região de Languedoc, condenou a execução. Secretamente, ele e outros membros da Igreja já vinham discutindo idéias pouco ortodoxas aos olhos do catolicismo. Acreditavam num Deus que era puro espírito. E que a criação era obra maléfica, não divina.
No século 12, 4 paróquias de Languedoc abandonaram formalmente o credo católico, abraçando as novas idéias: Toulouse, Carcassone, Albi e Agen. Por causa das duas últimas, o movimento acabou sendo chamado também de albigense. A palavra “cátaro”, porém, só entrou para o vocabulário medieval por volta de 1160, graças a um pregador católico da Renânia chamado Eckbert de Schönau – emérito detrator da seita. Segundo uma de várias versões, o termo viria do grego katharoi, que significaria “os puros”. A história mais aceita, contudo, é bem menos lisonjeira. Segundo Alain de Lille, um teólogo francês do século 13, sua origem estaria na palavra catus (“gato” em latim), pois os seguidores da seita “faziam coisas ignóbeis em seus conciliábulos, como beijar o traseiro de gatos”.
Os novos fiéis estavam se lixando. Eles se autodenominavam bons hommes e bonnes femmes (“bons homens” e “boas mulheres”). E repudiavam o termo “cátaro”. Os padres se vestiam com hábitos negros. Rejeitavam o dogma da Santíssima Trindade e também os sacramentos, como o batismo, a eucaristia e o matrimônio. E viam com naturalidade o sexo fora do casamento. “Se a castidade não pudesse ser priorizada, era melhor manter encontros casuais do que regularizar oficialmente o mal”, diz a historiadora Maria Nazareth de Barros, autora de Deus Reconhecerá os Seus: A História Secreta dos Cátaros. A nova crença também arregimentou adeptos na Catalunha, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália.
FOGO DIVINO
Roma tentou conter o catarismo na base da conversa até meados do século 12. Quando o papa Inocêncio 3º assumiu, em 1198, a atitude da Igreja endureceu. Inocêncio suspendeu diversos bispos do sul da França. Em 1208, o representante eclesiástico Pierre de Castelnau excomungou um nobre de Toulouse. Em represália, foi assassinado. O incidente foi a gota d’água. No mesmo ano, o Vaticano autorizou uma guerra santa contra Languedoc – a primeira e última cruzada contra cristãos da história. No cerco a Béziers, em julho de 1209, 7 mil fiéis foram chacinados, entre eles mulheres e crianças. Em 1244, 200 cátaros foram queimados vivos numa grande fogueira nas redondezas da fortaleza de Montségur. A tortura era generalizada. O interrogador católico Guilhem Sais, certa vez, afogou uma mulher cátara num barril de vinho, pois ela não queria confessar seus supostos pecados.
A Igreja precisou de décadas, mas conseguiu varrer os cátaros da face da terra. No coração dos habitantes de Languedoc, porém, a seita sobreviveu. O povo daquela região é do contra, lembra? Até hoje, em cidades como Montpellier e Toulouse, os revoltosos viraram até nome de rua: des Heretiques (dos Heréticos) na primeira e des Cathares (dos Cátaros) na segunda. Custou a vida de muitos, mas eles conseguiram sua revanche contra o papado. “Se existe uma coisa que os cátaros nos ensinaram”, diz Pegg, “é que as fronteiras da heresia são móveis, e que devemos ousar alargá-las.”
Descaminhos da heresia
1167 - A curta trajetória de uma seita esmagada pela Igreja
1198 - São criadas as 4 primeiras paróquias cátaras, na França.
O papa Inocêncio 3º suspende os bispos ligados ao catarismo.
1208 - O papa Inocêncio III suspende os bispos ligados ao catarismo.
1209 - Um enviado do papa excomunga um nobre cátaro e é assassinado.
1233 - Começa a cruzada contra a seita. Em Béziers, 7 mil são chacinados.
O papa Gregório 9º ordena a Santa Inquisição, para reprimir heresias.
1244 - O papa Gregório 9º ordena a Santa Inquisição, para reprimir heresias.
Duzentos cátaros são queimados em Montségur. É o fim da seita.
Cátaros: Extermínio dos puros
Por Pedro Silva, 01/01/2008 - Os forasteiros chegam à pequena vila sem causar nenhum alarde. Após percorrer centenas de quilômetros a pé, seu andar tornou-se arrastado e seus calçados se deterioraram. Têm a cabeça raspada e vestem-se de forma maltrapilha, com uma longa batina de cor negra presa por uma tira fina de couro. Após uma recepção praticamente inexistente, eles começam a ser reconhecidos e respeitados pela comunidade. Em pouco tempo, se tornarão líderes religiosos capazes de fazer frente à influência da poderosa Igreja Católica.
No fim do século 12, as cenas descritas acima se tornariam cada vez mais comuns na ampla região do Languedoc, no sul da atual França. Cidade após cidade, os cátaros iam espalhando sua fé, baseada na simplicidade e na busca da pureza (katharos, em grego, significa “puro”). A religião nascera do cristianismo, mas era marcada por profundas diferenças em relação às doutrinas do Vaticano. Acusados de heresia e até chamados de adoradores do diabo, os cátaros provocaram uma implacável reação do papado. O esforço para eliminá-los incluiu uma cruzada e foi um dos principais motivos para a criação do Tribunal do Santo Ofício – mais conhecido como Inquisição. No século 14, cerca de 200 anos após o catarismo ter surgido, seus últimos representantes foram varridos do mapa. Para entender a intensidade da violência promovida pela Igreja Católica contra eles, é fundamental compreender como os cátaros foram capazes de conquistar os corações e as mentes medievais. E sua brutal eliminação é um dos exemplos mais bem acabados do incrível poder do papado sobre a Europa da Idade Média.
Bispos vistosos
O primeiro grupo cátaro conhecido apareceu na década de 1120, na cidade de Limousin. Logo eles chegaram a povoados próximos, como Albi, Toulouse e Carcassonne, sempre no Languedoc. A região, separada do resto do território francês pelas montanhas dos Pirineus, era governada pela dinastia dos Raimundos. Eram terras prósperas, fortes na agricultura e na indústria têxtil. À primeira vista, seria difícil prever que num local tão estável – e religioso – pudesse surgir uma crença que desafiasse a Igreja. Mas, àquela altura, a sociedade medieval estava passando por importantes transformações.
A Europa vivia uma fase de aumento populacional e melhoria das condições de vida, com o desenvolvimento das cidades medievais. No ambiente urbano, aumentava o contato entre as pessoas e a busca pelo conhecimento. Uma parcela da população começou então a refletir sobre várias questões, entre elas a própria fé. Na origem da expansão do cristianismo, que ocorrera cerca de nove séculos antes, estavam valores como a pobreza, o sofrimento pessoal e a sensação de unidade com Deus. Por volta do século 11, entretanto, a situação do clero não era exatamente essa.
Por todo lado, pululavam grandes edifícios religiosos, magnificamente ornamentados – alguns deles deram início ao estilo que ficaria conhecido como “gótico”, que caracteriza algumas das principais catedrais da Europa. Além disso, os sacerdotes cristãos (sobretudo os bispos e seus representantes locais, os padres) usavam os fartos recursos da Igreja para garantir a si mesmos uma vida tranqüila. A imagem típica do cristianismo, aquele Jesus magro, de olhar triste e agonizando na cruz, era apenas uma vaga recordação – o perfil do clero estava mais próximo do bispo rechonchudo de roupas vistosas e dedos ornados com toda a sorte de joalharia.
Abaixo os dogmas
Diante das contradições da Igreja, a influência dos cátaros avançava rapidamente. Em 1167, alguns deles se reuniram no encontro que marcou o nascimento oficial da nova religião: o concílio de Saint-Félix-de-Caraman (hoje Saint-Félix-Lauragais, no sul da França). Compareceram cátaros não só do Languedoc, mas de áreas mais distantes como a Lombardia (na atual Itália) e a Catalunha (hoje na Espanha). Muito pouco se sabe sobre o que ocorreu na reunião. Ela provavelmente foi presidida por um homem chamado Nicetas – um cristão dissidente vindo de Constantinopla e apelidado de “papa” – e organizou as bases do catarismo.
Para os cátaros, o livro sagrado era a Bíblia (em particular o Novo Testamento). Sua religião, entretanto, divergia muito do catolicismo. O princípio fundamental era o dualismo: segundo ele, o mundo seria composto de dois reinos opostos e coexistentes. O primeiro, comandado por Deus, seria invisível e luminoso, onde só existiria o bem. Já o segundo reino, material e visível, seria controlado pelo diabo. Em outras palavras: segundo o catarismo, o inferno ficava na Terra. E o objetivo da vida humana seria escapar do mal através da purificação dos espíritos, reencarnação após reencarnação. Se isso fosse feito, quando chegasse o Juízo Final, todos se salvariam e iriam para o reino de Deus.
Apesar de se considerarem cristãos, os cátaros não acreditavam que Jesus fosse filho de Deus. Ele era apenas considerado um profeta importante, que havia divulgado alguns ideais que mereciam ser seguidos. Para completar a afronta ao catolicismo, os cátaros viam São João Batista como nada menos que um instrumento a serviço do diabo. Afinal, por meio do batismo, ele teria cumprido a profecia de que Jesus era o messias – coisa na qual, como vimos, o catarismo não acreditava. Assim como a teoria, a prática dos cátaros era bem diferente da dos católicos. Eles recusavam o ritual da hóstia sagrada (em suas cerimônias, bastante simples, havia apenas a repartição do pão). Tampouco aceitavam o papel subalterno que o papado romano reservava para as mulheres – para o catarismo, o ser humano não admitia distinção entre sexos. A elas era permitido, inclusive, celebrar ritos religiosos.
A autoridade do papa ou de seus bispos não era reconhecida pelos cátaros. Sem uma liderança espiritual única, eles dividiam os seguidores da religião em três níveis. O mais alto deles era o dos Perfeitos, também conhecidos como “bons homens”. Para chegar a esse posto, era preciso passar por duras provas e receber o Consolamentum, o único sacramento cátaro (que, grosso modo, resumia num só o batismo, a ordenação e a extrema-unção). Os Perfeitos eram celibatários e passavam grande parte dos dias em oração e jejum.
Abaixo dos Perfeitos estavam os Crentes, categoria que reunia a grande maioria dos cátaros. Eles comungavam das práticas de virtude e humildade, mas não estavam obrigados a qualquer tipo de abstinência. Podiam casar (embora preferissem o concubinato) e só tinham direito a receber o Consolamentum na hora da morte. O terceiro nível da sociedade cátara era composto pelos Ouvintes. Simpatizantes da religião, eles acompanhavam as palestras dos Perfeitos e se curvavam perante eles para receber a bênção. Na virada do século 13, o avanço dos cátaros havia se tornado a maior preocupação da Igreja. “Havia o perigo de que a contestação à ordem imposta por Roma se estendesse rapidamente a outras regiões da cristandade”, escreveu o historiador Ernest Bendriss em artigo publicado na revista espanhola História y Vida em março de 2007. A reação não tardaria.
Armas contra a fé
“Matem-nos todos. Deus saberá reconhecer os seus!” De acordo com alguns registros, foi com essas palavras que o abade Arnoldo de Amaury incitou à aniquilação total dos cátaros que se escondiam na fortaleza de Béziers, no Languedoc, em julho de 1209. Há quem defenda a tese de que a frase nunca foi dita. De qualquer modo, ela resume bem o espírito da sangrenta Cruzada Albigense – graças à grande concentração de cátaros na cidade de Albi, eles também eram conhecidos como “albigenses”. Antes de recorrer às armas, entretanto, a Igreja tentou combater o catarismo no campo da fé. Há relatos de que, entre 1165 e 1198, os cátaros foram perseguidos publicamente em locais tão díspares quanto Lombers (França), Colônia (Alemanha) e Oxford (Inglaterra). Para ouvir e julgar os hereges, a Igreja montou tribunais eclesiásticos. Graças à experiência dos cátaros como oradores, entretanto, eles se defenderam brilhantemente das acusações e viram sua fé ganhar status de religião. Apesar de ter havido algumas condenações, o prestígio dos Perfeitos saiu fortalecido.
Em 1205, Domingos de Gusmão criou a ordem dos dominicanos. Pregando uma postura moral exemplar e o retorno aos princípios originais da cristandade, eles tentavam competir com a “pureza” dos cátaros. O problema é que os sacerdotes católicos não conseguiam se aproximar da população como os Perfeitos. Quando um líder cátaro chegava a uma vila, sua primeira preocupação era encontrar emprego. Após trabalhar de dia para se manter, ele dedicava a noite ao diálogo com os locais, procurando transmitir seus conceitos religiosos. Enquanto isso, os monges católicos raramente eram vistos em contato com o povo – optavam, em geral, pela clausura.
Diante da contínua perda de fiéis, o papa Inocêncio III decretou o confisco dos bens de todos aqueles considerados hereges. Sua vontade foi cumprida por todos os cantos da Europa. Exceto no Languedoc, onde os governantes se recusaram a agir contra os cátaros. A alternativa encontrada pelo pontífice foi montar uma verdadeira força-tarefa: ordenou que os clérigos se unissem aos pregadores dominicanos para, em conjunto, redobrar a batalha pela fé no Languedoc. Sacerdotes católicos se misturaram aos Perfeitos nas ruas, mas pouca coisa parecia mudar. Até que um crime selou o destino dos cátaros.
Em 1208, o legado papal (figura máxima da hierarquia da Igreja na região, representante direto do pontífice) Pedro de Castelnau foi morto por alguns habitantes de Toulouse. Logo correu a notícia de que os assassinos eram, supostamente, cátaros. Inocêncio III teve, então, a deixa de que precisava. Em 10 de março, organizou uma cruzada liderada por Arnoldo de Amaury e pelo bispo Folquet de Marselha. No campo de batalha, o comando coube a Simão de Montfort, à frente de um exército com 10 mil homens.
Além dos cátaros, o alvo da cruzada foram os principais nobres que davam proteção a eles: o conde Raimundo VI de Toulouse e o visconde Raimundo Rogério de Trencavel. O primeiro grande ataque, em Béziers, surpreendeu pela violência intensa e indiscriminada. Cátaros e católicos, Perfeitos e padres, não importa: todos foram massacrados pelos cruzados. “Os cruzados não mostravam clemência. Mulheres e crianças amontoaram-se na igreja de Santa Maria Madalena, na parte alta da cidade”, escreve o historiador canadense Stephen O’Shea em A Heresia dos Cátaros. “Deveriam ter sido à volta de mil, um cálculo baseado na capacidade da igreja. Fossem quantos fossem, a igreja estava apinhada de aterrorizados católicos e cátaros quando os cruzados derrubaram os portões e massacraram todos os que ali se encontravam”, completa. Em 1840, durante uma reforma do templo, várias ossadas foram descobertas sob o piso.
Estima-se que, em Béziers, nada menos que 20 mil pessoas tenham sido mortas – praticamente toda a população da cidade. Depois disso, os cruzados destroçaram Carcassonne, Bram, Minerve, Termes e Lavaur, ignorando quaisquer tentativas de rendição. Como recompensa pelo extermínio dos hereges, os cruzados ganharam o perdão pelos seus pecados – e puderam repartir entre si as riquezas e terras do Languedoc. A carnificina só parou em 1229, quando foi celebrado o tratado de paz de Meaux-Paris, entre Raimundo VII de Toulouse e o rei Luís IX da França.
A fogueira final
Inocêncio III morreu sem ter conseguido extinguir o catarismo. A tarefa coube a seu sucessor, Gregório IX, que assumira em 1227. Com a situação aparentemente controlada em termos militares, o papa teve uma idéia que seria decisiva para a história dos séculos seguintes. Em 1231, por meio da bula Excommunicamus, criou a Santa Inquisição. Não é exagero dizer que a caça aos cátaros foi uma das principais razões para a novidade. Afinal, após anos de perseguição, eles haviam mudado sua maneira de agir. Agora, os Perfeitos misturavam-se à população, sem usar a tradicional veste negra. Para facilitar a identificação dos cátaros, a Inquisição empregava métodos sofisticados – e sórdidos – de interrogatório e investigação.
A última ação militar contra os cátaros foi o cerco a Montségur, em 1243. Naquela época, a Inquisição já havia provado sua eficácia para eliminar seletivamente os hereges. Depois das condenações nos tribunais inquisitórios, a Igreja usava o “fogo purificador”: de acordo com o discurso oficial, a morte na fogueira seria a única forma de salvar as almas dos cátaros.
Encurralados, os cátaros eram colocados diante da seguinte escolha: negar sua fé ou enfrentar a fogueira. De uma forma ou de outra, a religião ia sendo exterminada. Em 1321, foi executado o último sacerdote cátaro conhecido, Guillaume Bélibaste, que havia se refugiado no oeste da Espanha. Cerca de um século depois, já não se ouvia mais falar de seguidores do catarismo. Terminava assim a trajetória dos contestadores que, com humildade de caráter e simplicidade de métodos, haviam conquistado o respeito do povo – da mesma forma que os primeiros cristãos haviam feito, 12 séculos antes, na Palestina.
Fonte: https://pt.wikipedia.org http://super.abril.com.br/
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