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Paracas : A Polêmica dos Crânios Alongados


Na mesma época que os tesouros de Tutancâmon vinham a público, uma importante descoberta da arqueologia ocorria na costa sul do Peru: na península de Paracas, eram desenterradas centenas de múmias cujos crânios tinham um estranho formato alongado e apresentavam sinais de trepanação com sobrevivida do paciente.

 

Os crânios Paracas

 

Os primeiros vestígios da civilização Paracas foram desenterrados em 1925 pelo arqueólogo Júlio César Tello, na península de Paracas (235 km ao sul de Lima). Sob a areia do deserto peruano, foram encontradas diversas necrópoles, cada uma contendo 30 a 40 múmias enroladas em camadas de tecidos ricamente bordados. Tello descobriu cerca de 300 múmias Paracas entre os anos 1925 e 1930. Muitas delas apresentavam crânios deformados assemelhando-se a um cone alongado. O formato era resultado de uma intervenção intencional no crescimento do crânio da criança. Ainda no primeiro mês de vida, quando o crânio é mais maleável, a cabeça da criança era pressionada com placas de madeira podendo ainda ser enfaixada com tecido. O aparato era mantido de seis meses até os dois de idade.

 

 Supõe-se que a prática servisse como um sinal de distinção do indivíduo em seu grupo social para liderança, magia ou ambas. Entre os Paracas, o costume era praticado pela nobreza já que as múmias com crânios alongados receberam enterros mais complexos.

 

Muitos crânios Paracas apresentavam, também, sinais de trepanação, uma técnica de abertura de um ou mais buracos no crânio com fins curativos, mágico-ritualístico, ou mesmo uma tradição cultural. A trepanação foi praticada por outros povos americanos, como os incas, os muíscas da Colômbia, os zapotecas e os maias da Mesoamérica. Possivelmente, durante o procedimento o paciente era mantido sob o efeito de álcool, coca ou ervas anestésicas. A cicatrização observada em muitos crânios trepanados demonstra que o indivíduo sobreviveu à trepanação.

 

Deformação craniana em outros povos

 

A deformação craniana foi comum entre muitos povos desde tempos remotos, mas as técnicas variavam assim como os formatos obtidos (alongado, achatado etc.). Um registro de Hipócrates, o célebre “pai da Medicina”, datado de 400 a.C., descreve uma tribo africana, os macrocéfalos ou “cabeças grandes”, chamados assim pela prática de deformação craniana.

 

No Egito, a descoberta de uma múmia, que se supõe ser de Aquenáton (18ª dinastia, 1352-1336 a.C.), revelou que o costume também teria existido entre os faraós egípcios, como já era observado em muitas esculturas e pinturas. Há quem afirme que a rainha Nefertiti, sua esposa, também possuía o crânio alongado. Sua múmia, contudo, ainda permanece desconhecida (a descoberta da tumba anunciada em 2003 confirmou não ser de Nefertiti.)


Na América, a deformação craniana existiu entre os maias da Mesoamérica, os incas da América Andina, os chinook da costa noroeste dos Estados Unidos e os choctaw, da costa sudeste. Crânio maia com deformação e sinal de trepanação e sua reconstituição artística.

 

No Velho Mundo, os alanos do planalto do Irã, os hunos e algumas tribos germânicas também adotaram esse costume.

 

No final do século XIX, o geógrafo e etnólogo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) relatou deformações cranianas em populações nativas do Taiti, Samoa e Havaí.  A prática persistiu até nossos tempos entre os mangbetu, da República Democrática do Congo, e os vanuatu, na Melanésia (a noroeste da Austrália). Para os Vanuatu, a pessoa com cabeça alongada era considerada sábia e mais próxima do mundo dos espíritos.

 

 Humanos ou alienígenas: ciência ou farsa?

 

Os crânios alongados Paracas já serviram para muita especulação pseudocientífica. Brien Foerster, diretor-assistente do Museu de História de Paracas, no Peru, defende a teoria de que eles pertenceriam a alienígenas em visita ao planeta. Sua teoria é mencionada em numerosos blogs, vídeos e documentários que exploram os aspectos extraordinários dos crânios e fornecem poucas ou nenhuma referência científica.

 

Foerster afirma ter convencido o proprietário do museu a extrair amostras de cinco crânios – um dente, cabelos com raízes, pele e ossos – para serem analisados em um laboratório geneticista. Este processo foi documentado por fotos e vídeos, mas eles não foram liberados. As amostras foram enviadas para Lloyd Pye, um estudioso conhecido por suas teorias excêntricas sobre origem da Terra e do homem. Pye não é um geneticista e enviou as amostras para um especialista cujo nome é mantido em segredo. O resultado da análise do DNA também não foi liberado.

 

Segundo, Foerster os “resultados preliminares” da pesquisa revelaram que os crânios Paracas pertenciam a uma criatura biologicamente diferente do Homo sapiens e de outros hominídeos, diferente de primatas e animais conhecidos até hoje, uma criatura, enfim, que não se encaixa na atual árvore da evolução humana. Brien Foerster examina um crânio Paracas.

 

Os resultados espetaculares foram divulgados pessoalmente por Foerster, via internet (no Facebook, em sites e em um portal de rádio), e não através de uma universidade ou uma revista cientificamente respeitável, como é o procedimento entre os pesquisadores. Foerster gravou depoimentos para o popular programa “Ancient Aliens”, da History Channel – série televisiva sem crivo do mundo científico e nem a responsabilidade de verificar os fatos que divulga.

 

Em todas essas mídias, não foi mencionado o nome do laboratório nem do geneticista que descobriu o misterioso DNA dos Paracas. Lloyd Pye, o primeiro a receber as amostras, faleceu em 2013 dificultando investigar o caminho desse material.

 

Há poucas informações sobre a formação acadêmica de Brien Foerster. Uma pesquisa básica no Google informa que ele tem uma empresa de turismo, a Inca Tours, que faz excursões paranormais especialmente no Peru e regiões vizinhas. Sua página no Facebook informa que é bacharel em Ciências pela Universidade de Victoria, em British Columbia, Canadá. Não há nenhuma informação adicional sobre sua especialização nem o campo exato em que completou a graduação. Não há publicações suas em revistas especializadas em arqueologia.

 


Foerster escreveu vários livros de arqueologia, que podem ser vistos no site da Amazon. Entre eles, “The enigma of cranial deformation. Alongated skull of the Ancients”, escrito em coautoria com David Hatcher Childress, arqueólogo da Universidade Vanderbilt, de pouca credibilidade no mundo acadêmico. O historiador e arqueólogo americano Charles E. Orser referiu-se a ele como “um dos violadores mais flagrantes do raciocínio arqueológico básico”.

 

Diante desses fatos, como entender que um operador turístico paranormal seja diretor-assistente do Museu de História de Paracas? Trata-se de um museu privado, com uma coleção de 35 crânios Paracas, e cujo proprietário, Juan Navarro Hierro, é um colecionador sem credenciais acadêmicas. Seu museu é somente um espaço de exposição que, mediante pagamento, permite ao turista fotografar e tocar nas peças. Não atende às funções básicas de um museu – cuidar da preservação, restauração, documentação, coleta e pesquisa – para as quais exigem-se profissionais de diferentes especialidades e com formação superior. Museu de Historia de Paracas.

 

As afirmações de Brien Foerster e Juan Navarro Hierro impressionam os turistas e os leigos em arqueologia, contudo carecem de sustentação científica. Os Paracas não foram extraterrestres e sim humanos que criaram uma cultura extraordinária.

fonte: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/paracas-polemica-dos-cranios-alongados/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

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